terça-feira, 6 de dezembro de 2011

Uma questão de memória



Há momentos que nos acontecem e vão acontecendo, que nos reportam para o passado. Eles fazem com que sintamos que estamos a reviver uma determinada ocasião, outra vez. Nesse instante, temos o privilégio de sentir algo que pensamos nunca mais sentir. 
Foi-me assentido um momento assim.
Durante o trabalho, atendi um senhor que tinha já uma idade avançada, era alto, estava magro e tinha um cabelo grisalho. No fim do exame ele tinha que calçar os sapatos e eu senti a dificuldade que este senhor estava a ter para realizar essa tarefa. 
Baixei-me e calcei-lhe as meias, a seguir os sapatos e por fim atei os seus atacadores...
 "Oh menina, obrigada, nunca ninguém me tinha calçado os sapatos"!


(...)
- Joana, Joana!
-Diga Vô...
-Anda cá baixo calçar-me os sapatos, filha! Quero ir ao café agora à tarde...
-Já vou, Vô...
(...)
Os passos eram curtos, os chinelos eram sempre arrastados... Pousava a mão no meu ombro, erguia o pé com alguma dificuldade, eu baixava-me, via-lhe as pernas emagrecidas, os pés sempre frios, escolhia umas meias escuras como ele gostava, calçava-as, colocava-as sempre direitinhas sem nenhuma dobra, para que nao o magoassem.
-Não estão demasiado apertados os atacadores, vô?
-Não, não, estão bem assim. Obrigada, o teu avô está velho.
-De nada, de nada! Sempre ás ordens, está nada velho, está ai para as curvas ainda!
(...)


Insignificante. Uma rotina como tantas outras. Que depois de ser perdida, ganha toda a importância do mundo. 
É então recordada com o maior dos carinhos, a mais profunda das saudades...
Um beijo
 Joana Almeida